Archive for April 2017

Desafio das Expressões [Artbook]

Ainda é cedo para terminar com a sessão nostalgia, minha gente! Aproveitando a estadia da Nyx aqui no Brasil, nós fizemos um pequeno passatempo conhecido como Desafio das Expressões.

A ideia surgiu nas mãos da WhiteVir, dona lá do blog Mystery Dungeon. A ideia veio à tona no nosso grupo da Aliança Aventuras de modo que cada membro desenhasse seus OCs com diferentes caras e caretas, até para treinarmos um pouco nossas técnicas de desenho e movimentarmos o pessoal com algo diferente. Eu adoro participar dessas atividades que envolvam a parte artística!

Eu desenhei seis personagens do meu novo livro, ilustrei a galera do Ralph num rascunho bem simples, coisa básica, depois ainda precisei ajustar umas coisinhas no photoshop.
Enquanto isso, do outro lado, Nyx desenhou a Fire Tales inteira, passou à caneta, pintou e ainda comeu um pedaço de bolo. Asiáticos sendo... asiáticos. Hah, hah.

Fala sério, tem como não amar essa galera toda junta com essas expressões engraçadas? Se quiser, você também pode participar desse desafio e postar no seu blog, basta seguir os protótipos da imagem ao lado. Além de ser um treino bacana, você também pode descobrir o lado mais inusitado dos seus personagens!

E Duke, pare de chorar, pelo menos tiveram a consideração de colocar você aí!


Notas do Autor (Support Conversation)

Antes de mais nada, NÃO ERA BRINCADEIRA DE 1º DE ABRIL!
Realmente há um capítulo inédito postado, depois de mais de 2 anos de hiatus! Para os que foram pegos desprevenidos com a brincadeira, não se trata realmente de uma Sinnoh 2.0, e sim, um pequeno especial que nós decidimos fazer só para matar a saudade...
Se você ainda não está entendendo como chegamos a esse ponto, vou explicar.

Mês passado a Nyx veio do Japão nos visitar aqui na terra dos tupiniquins (para quem não lembra, a Nyx ilustrou, tipo, TODA A LIGA E OS CAPÍTULOS FINAIS). É a primeira vez em quase cinco anos que tivemos a chance de sentarmos e planejarmos algo junto, sem necessidade de trocarmos e-mails ou entrar no skype. O resultado foi instantâneo. Nós precisávamos trazer algum presentinho para nossa boa e velha Sinnoh!

O capítulo de hoje não mostra o retorno dos Irmãos Wallers e nem a galera da Fire Tales passando férias em Alola. Ele é na verdade um Support Conversation, o famoso Vista's Time Machine que foi um dos preferidos da galera. Estamos atualmente no Episódio 6, mas nenhum deles se complementa, então você não precisa ler na ordem. No capítulo, Vista parece ter reconstruído sua máquina  mesmo depois de tê-la destruído trocentas vezes  só para corrigir um acidente que poderia ser fatal para a nossa linha cronológica atual...

Quem assistiu ao filme Logan nos cinemas vai saber de onde tiramos nossa inspiração. Aerus barbudo, futuro distópico, Seth de cadeira de rodas, uma garotinha FODA PARA CARAL*O... Há quem odeie essas interpretações de um futuro devastado, mas o verdadeiro intuito aqui foi apresentar uma certa garotinha... E doeu, galera. Caramba, como é difícil imaginar esse grupo tão carinhoso e sorridente completamente devastado, acabado, personagens consagrados em situações deprimentes, um futuro sem... futuro. NÃO PODE ACABAR ASSIM!

E não se preocupem, não vai. EU QUERO FESTA, PANCADARIA E BAGUNÇA! Essa é a Fire Tales que eu conheço. Haverá mais capítulos de onde esse veio. 

Nós não temos muita coisa preparada, mas a Nyx vai passar sua última semana aqui e nós queremos criar pelo menos mais um especial como esse. Provavelmente algo envolvendo os Fire Tales de férias numa região tropical, curtindo o sol e aproveitando... Ah, como senti saudades disso! Então, galera, espero que tenham se divertido com essa ligeira viagem no tempo, foi uma tremenda nostalgia para mim falar sobre esses personagens que mesmo depois de anos sem tocar neles ainda parecem tão naturais.

Abaixo vocês conferem uma galeria dos desenhos que a Nyx fez exclusivamente para esse especial. De um lado ela desenhava e do outro minha escrita fluía. Mas que tarde produtiva, não?






Aerus' Destiny

O céu continuava o mesmo, mas por algum motivo parecia menos azul; a fogueira ainda crepitava, mas o fogo já não aquecia como antes. Há anos perdera o brilho nos olhos — se realmente fosse um dragão, não teria mais interesse em ouro e nem joias. Os anos o arrastaram como correntes pesadas em seus ombros e esferas de metal em seus pés, estava perdido em um barquinho de madeira no meio do oceano sem esperança de alcançar uma ilha.
Seus amigos estavam mortos — uma lembrança amarga do tempo que consumia a tudo e todos —, sempre pensou que teria sido melhor fazer amizade com o Senhor do Tempo, Dialga, ao invés daquela mulher apaixonada que controlava o espaço.
Despertou por causa do frio, mas dormir ao relento também não era nenhum conforto. A fogueira, praticamente extinta, sua única missão era controlar aquela chama. Ele levantou-se, jogou alguns gravetos na tentativa de ampliar a chama que acabou por extinguir-se por completo. Não era a primeira vez que perdia seu fogo, uma ajudinha daquele velho Houndoom cego seria bem vinda nessa hora. A noite era o período mais cruel, pois a solidão avançava com a força do soco mais forte de General. Lembrava-se das histórias e momentos de diversão que compartilhara com eles, das batalhas e conquistas compartilhadas com cada um. Onde estavam as medalhas, onde estavam os troféus? Sujos de poeira, como ele. Coçou a barba e soltou um longo suspiro, tinha que esperar só mais um dia passar.
Só mais um dia.
A planície era extensa e cercada por montanhas, qualquer um teria visto a explosão luminosa que ocorreu e abriu uma enorme fenda no chão, exalando fumaça e poeira como se um meteorito tivesse acabado de colidir com a terra. O dragão preferiu não levantar-se para ver o que era. Estava velho, não tinha forças e nem vontade. Que procurasse outro alguém.
Assim que abriu os olhos, uma enorme sombra negra se projetava sobre ele.
Look at that. O estado deprimente desta pobre criatura... E pensar que você já foi o líder da Fire Tales.
O Garchomp sentou-se e imediatamente reconheceu a figura monstruosa.
— Vista? A máquina de guerra? Nosso tanque monstruoso que adorava destruir coisas?
— Yep. Back from the future. I mean, from the future’s future. Oh, just forget it.
— O que você está fazendo aqui? Você deveria estar... morto.
Incorrect. Uma máquina não pode morrer, mas posso ser destruído. Mas se não houver nenhum babaca para me reconstruir, creio que as condições do nosso futuro sejam mais sérias do que eu havia imaginado — falou Vista, sentando-se em frente ao dragão como dois velhos conhecidos que se reencontram após longos anos em silêncio. — É melhor você também sentar-se. Sou péssimo em contar histórias.
O Metagross deu um único disparo na fogueira que explodiu e ardeu em chamas, alastrando o fogo nos arredores de maneira contida, só para que eles tivessem um pouco de iluminação naquela noite sem estrelas. Vista o olhava sério, ainda não ouvira nenhuma pergunta ou dúvida de seu velho amigo, mas só de olhar para o semblante dele podia compreender o que ele sentia.
— Você está péssimo — falou Vista. — Pior que antes. O que fizeram com você?
— Acho que fui atropelado por um caminhão chamado vida — Aerus respondeu.
— Quase não o reconheci com essa barba de mendigo e essa cara de quem já viveu meio século. Ainda não arranjou outro daqueles seus óculos escuros?
Aerus permaneceu em silêncio, sem tirar os olhos do ciborgue. Sentira falta até mesmo da maneira birrenta como ele sempre tratara todos.
— Eu já não sou mais um garoto, Vista.
Oh, come on. Não me venha com esse discurso de gente velha — disse o ciborgue. — A sua alma é a última que deveria envelhecer, ainda olho para você e enxergo o garoto inexperiente tentando liderar uma guilda de fracassados que se tornou a maior da história. Things are getting serious, you know? Onde estão os outros?
Aerus balançou a cabeça, incapaz de compreender.
— Eles estão mortos, merda! Sério mesmo que você voltou do passado só para trazer... essas lembranças? Para ficar jogando na minha cara como vivíamos tempos maravilhosos? Eu aproveitei tudo que tinha que aproveitar, cacete, a Fire Tales foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, mas acabou, porra!
For Arceus’ sake, você está mais boca suja do que eu me lembrava... Talvez o Watt possa dar um jeito nisso.
Aerus ativou a lâmina enferrujada que jamais saíra de seu antebraço. Ele deu um grito de ódio e partiu para cima de Vista, cravando a lâmina no peito do ciborgue que recuou e cambaleou para trás, arrancando-o de cima de seu corpo e atirando-o contra a parede.
Damn, kid! Você continua impulsivo como sempre! — Vista verificou seus sistemas para ter certeza de que nenhum fio fora danificado. Se sua armadura defensiva não estivesse em seu auge, aquele golpe do velho Garchomp ainda teria machucado um bocado.
— Não... fale... mais... do Watt... — Aerus murmurou entre os dentes.
— Eu sempre soube que o esquilo era o equilíbrio entre vocês.
— Vocês?
You and Titânia.
Aerus berrou novamente e partiu para cima de Vista como um animal selvagem, ele tentava riscar a armadura de metal, mas sua arma já não era afiada há anos. Vista precisou prensá-lo contra uma rocha usando seus braços mecânicos.
That’s why I’m here! Você continua impulsivo e faz merda atrás de outra, ouve um nome que lhe traz algumas lembranças e já perde a cabeça! Talvez os anos não tenham o feito amadurecer como devia.
— Me larga, sua sucata de merda! Eu não preciso de você aqui, eu não quero nenhum fantasma do passado voltando para me atormentar! Me deixa em paz!
— Não pense que eu saí direto do conforto do meu passado perfeito para consertar esse seu futuro de merda, eu só estou aqui como um favor — Vista falou furioso, poucos eram capazes de confrontá-lo naquela situação. Mas após ver a situação deplorável em que o velho Aerus se encontrava, acabou se compadecendo da situação.
Após ser largado no chão, Aerus tentava recuperar o fôlego, tossindo sem parar.
— Onde está a menina? — perguntou Vista.
— De quem você está falando? — perguntou o dragão, abalado com aquele súbito encontro.
Your daughter.
Aerus arregalou os olhos. Não entendia algumas das palavras do vocabulário sofisticado do Metagross, mas compreendia o que aquilo significava.
— Minha... filha?
Yes, yes. Um filhotinho do demônio, se me permite dizer. Céus, aquela garota move montanhas com as próprias mãos se assim desejar. Deve ter herdado a força da mãe e o temperamento do pai, porque é justamente por causa disso que eu estou aqui.
Eram tantas informações para assimilar que Aerus sentiu seu cérebro travar.
— Não, não pode ser...
Oh, you do. Eu vim busca-la.
Vista prensou Aerus no chão, impedindo-o de ataca-lo de novo. O dragão rangia os dentes.
— Vai me deixar terminar? Enfim, vou resumir a história. A garota é mais poderosa do que você imagina. Ela não deveria estar aqui, é uma ameaça até mesmo para o tempo e espaço, tanto é que tenho permissão da própria Palkia para vir aqui dar um jeito nas coisas.
Aerus foi erguido pela cabeça, tendo de olhar bem de perto nos olhos do ciborgue mecânico.
— E você vai me ajudar a consertar a merda que a sua filha fez. Got it?

i

Se as noites eram frias e solitárias, então as manhãs revelavam um lado ainda mais difícil para continuar vivo. A garganta seca era um sinal de pouca água e as planícies áridas eram uma lembrança das terras férteis de muitos anos. Vista se transformara em um carro que corria em alta velocidade enquanto Aerus permanecia quieto em seu canto, aguardando aonde quer que a viagem os levasse. Desde o retorno do Vista do passado, vinha tentando apagar todas as lembranças da Fire Tales que voltavam à tona.
So, everyone is dead, right? — perguntou Vista, sem esperar por uma resposta. — Damn, deve ser cruel pensar em seguir em frente sem aqueles idiotas... Eles tiveram mortes trágicas?
— Não é da sua conta — respondeu Aerus, abraçado aos seus joelhos como um mendigo acuado por grandalhões armados com ferro e bastões.
— Aquele fracassado do Marco não viveu o bastante para me reconstruir? Nem a Wiki e o Mozilla aguentaram? Quando eu voltar para meu tempo vou me certificar de ensiná-los direitinho a me reconstruir, vão ter que treinar três vezes por dia. Espere, e o Mikau? Está para nascer um atirador mais capacitado do aquele desgraçado! Diz que fui eu que matei ele, please.
— Você não tem nem mais corpo — Aerus rompeu o silêncio. — Sua cabeça está em um tanque líquido em um museu. Alguns dizem que você ainda pensa em uma forma de fugir de lá.
Tragic. Um final digno. Sobrou mais alguém que possa nos ajudar nessa demanda?
— Bom... para ser sincero sobrou alguém com quem jogo xadrez à tarde. Eu compro alguns remédios para ele, mas não tenho condições de tomar conta dele.
— Você não tem condições de cuidar nem de si mesmo.

Vista dirigiu até uma cabana isolada perto do mar. Ao menos a vista ali continuava a mesma, era o mais perto que tinha do seu tempo, céu nublado e uma garoa fina em tardes de inverno. Esteve pensando a viagem inteira em quem iria encontrar ali, se desse de cara com um Mikau velho e rabugento não poderia segurar a risada, mas na primeira vez que se deparou com o silêncio naquele cômodo frio, percebeu que não tinha tempo para brincadeiras.
A casinha tinha rampas e nenhum degrau, a mobília era de uma madeira simples, mas pelo menos a privacidade e o sossego proporcionados eram melhores do que imaginá-lo em um asilo. Na varanda de frente para o mar, estava um homem de cadeira de rodas com os cabelos loiros. Apesar da idade avançada — quase vinte anos à frente de Aerus — ele ainda devia fazer sucesso com as velhinhas. Os cabelos bem penteados para trás tinham alguns fios brancos na raiz, mas ele sempre tentava pintá-los para esconder a idade. O rosto fora o mais ferido pela idade, um sinal de que nem mesmo a criatura mais perfeita do mundo poderia ser bonita para sempre.
O velho Seth ouviu a porta abrir-se, mas não se importou em ir recebê-los.
— Eu não vou jogar xadrez com você de novo. Estou cansado de ganhar, Aerus. Você nem ao menos tenta — a voz de Seth estava um pouco rouca, mas ainda era possível ouvir um pequeno rastro da canção melodiosa que um dia saíra de sua boca.
— Eu trouxe uma visita dos velhos tempos. Só cuidado com o coração.
Assim que Seth virou a cadeira de rodas, deparar-se com Vista não o deixou tão surpreso quanto Aerus esperava. Parecia que os dois haviam se encontrado na última manhã.
— Aqui está alguém que eu não esperava ver de novo — disse Seth.
Damn, os dois maiores rivais de antigamente agora se reúnem aos domingos para jogar xadrez na beira da praia. Time changes — murmurou Vista.
— Certamente, meu nobre visitante do passado. Prefere chá ou café? Por favor, sente-se enquanto o Aerus prepara um pouco para nós. Eu vou adorar ouvi-lo.

Aerus não preparou nada. Vista compartilhou com Seth maiores detalhes sobre o estrago que a suposta filha de Aerus causara em universos alternativos e como ele fora enviado do passado justamente para consertar aqueles problemas. Mesmo após ter destruído sua máquina do tempo e jurado nunca mais usá-la, a urgência do plano obrigou que decisões maiores fossem tomadas em prol da existência de todos naquele universo.
— E onde está a menina? — perguntou Seth.
— Poderíamos perguntar para o pai ausente e imprestável dela — respondeu Vista, olhando para Aerus que parecia cada vez mais furioso ao ouvir aquela ideia sem sentido.
— Vocês acham mesmo que eu não saberia que tenho uma filha? Que nem saberia o nome dela? Que eu abandonaria uma menina criada pela própria Titânia, a mulher que mais amei nessa vida? Pela forma enigmática que vocês se comunicam, parece até que estão contra mim e eu sou o culpado disso tudo!
— Você foi lerdo para muitas coisas nessa vida, caro amigo — disse Seth. — E ser pai foi uma delas.
— Talvez eu não a tenha conhecido ainda porque eu estava ocupado demais cuidando de um velho de cadeira de rodas que não consegue nem mais preparar um café decente — respondeu Aerus.
Vista ergueu-se para impedir que aquele duelo de velhinhos partisse para o nível de disputa de bengalas.
— Pelo menos algumas coisas não mudaram. Come on! Onde é que uma menina de oito anos se esconderia nesse mundo caso estivesse completamente sozinha e desamparada? O único lugar que a traria conforto nas horas difíceis, onde ela se sinta acolhida quando mais precisar? Deve ter restado um lugar assim no mundo...

ii

Vista se lembrava da placa que um dia tivera de colocar no portão principal da guilda. Não havia mais letreiro e nem muros, aquele deveria ter sido palco de uma guerra sem medidas que não deixara nada para trás além de rastro e destruição. Aerus empurrava a cadeira de rodas de Seth sem olhar para os lados, ele só olhava o chão e fingia que não existia nada ao seu redor. Sem uma fogueira ligada, aquelas redondezas eram muito frias. Aerus colocou uma manta sobre o ombro do Dragonite e certificou-se de que ele estivesse confortável em sua cadeira naquela longa caminhada.
— Oh, eu lembro desse lugar... Era o bar da Sophie, não? — apontou Seth.
— Já virei muita mesa de ponta cabeça nesse salão... Era ali que ficavam os dormitórios? Lembro que a Wiki alugava um quarto antes de irmos para o laboratório na montanha. Damn, já dei cada susto naquelas crianças...
Aerus mantinha o semblante imparcial. Só queria dar logo o fora dali.
— Pronto. Já terminaram sua excursão? Podemos ir embora? — ele os apressou. — Eu odeio esse lugar.
— Aerus, meu bom amigo, não podemos abrir mão de tantas lembranças maravilhosas. Você já se esqueceu das competições de braço de ferro no bar? Ou das festas com os demais membros da guilda, as viagens para o parque de diversão, as brigas e batalhas que travamos aqui para protegermos a guilda — a nossa guilda? Não abra mão de seu passado, Aerus. Ele ainda é uma parte importante do seu amadurecimento.
— Eu não esqueci... Eu jamais esqueceria.
Duas pequenas rochas deslizaram, Vista virou-se com seu canhão preparado e Aerus ativou suas lâminas enferrujadas em sinal de alerta, seus sensos continuavam ótimos apesar dos anos. Seth também percebeu, mas ele já não conseguia mover-se com a mesma facilidade, por isso virou sua cadeira de rodas e falou com a voz bondosa.
— Sabemos que você está aí, querida... Por que não vem até nós?
Aerus ainda não tinha percebido que estava tão perto de onde costumava ser o seu quarto. Talvez até tivesse percebido, mas preferiu fingir que não existia mais nada ali — o que de fato era verdade. Vista guardou seu canhão e ele retraiu a lâmina de volta para seu braço. Havia uma menina de pé sobre os destroços de uma parede tombada. Ela tinha o cabelo acinzentado ainda curto, mas uma trança singela fora preparada com todo carinho do lado direito. Seus olhos eram intensos, do tipo que poderia intimidar um inimigo a desistir antes mesmo de entrar em uma luta. Ela usava um vestido branco com botinhas, preso ao cinto improvisado carregava alguns mantimentos e provisões. No braço esquerdo carregava parte da armadura que um dia pertencera a sua mãe, a mão direita não largava a bainha da espada quase do seu tamanho, presa à suas costas.
Seth revelou um sorriso discreto, Aerus permaneceu trêmulo sem sair do seu lugar.
Damn — disse Vista, olhando para a menina e depois para Aerus. — Ela tem a cara da mãe, mas nunca achei que fosse parecida com você. Tem certeza que é a sua filha?
— Olá, querida. Por que não se aproxima? — Seth convidou-a gentilmente.
Vista ergueu seu canhão e atirou de forma inesperada. Uma rede feita de correntes disparou contra a menina que retirou a espada das costas a tempo de reduzir a rede a pedaços de ferro deslocados. Aerus gritou indignado por seu amigo ter arruinado aquele momento.
— Não acredito que você fez isso, sua merda de sucata ambulante!
— Assustamos a menina — Seth meneou a cabeça.
— Minha função é pegar a menina e dar o fora daqui. Eu não dou a mínima para o que você sentir.
Vista disparou em uma perseguição atrás da garota. Aerus queria persegui-lo, mas não queria deixar Seth sozinho naquela situação. O velho Dragonite segurou-o com sua mão fraca e concordou com a cabeça, insinuando que ele deveria persegui-la também.
Aerus correu por cima dos escombros, vez ou outra escorregava por já não ter muito equilíbrio, mas não podia deixar que algo acontecesse com aquela criança. Não de novo.
Vista era grande demais, e por isso, um alvo fácil. Ele avançava pelos antigos domínios da Fire Tales, empurrando escombros na tentativa falha de encontrar uma menina mirrada naquele campo desolado. Ele revirou uma parede quando viu que a luz fora tampada por um breve instante, a garota havia saltado do alto com a espada em mãos, procurando cravá-la no centro do elmo de prata do ciborgue. Vista sabia que aquela era a espada de própria Titânia, uma arma capaz de cortar até mesmo o aço mais resistente. O Metagross agarrou a menina pelo corpo e arremessou-a contra o chão sem dó na tentativa de contê-lo.
You come with me.
A garota franziu o cenho e segurou as enormes garras da criatura, pressionando-as com tanta força que o metal se retorceu entre suas pequenas mãos. Vista recuou incrédulo, a garota guardou sua espada e ergueu os dois punhos, insinuando que lutaria contra ele usando sua própria força. Vista tentou disparar contra as pernas da menina a ponto de fazê-la parar, mas ela deu um salto e socou o peito do ciborgue com tanta força que ele foi arremessado para longe.
Aerus viu o estado em que seu amigo se encontrava, mas não conseguia compreender por que eles lutavam.
— O que está acontecendo aqui? Por que vocês estão lutando como se suas vidas dependessem disso? — indagou Aerus.
Vista levantou-se pronto para mais. Ele disparou com a força de um canhão contra a garota que esperou o impulso de seu oponente para brandir sua espada. Ela arrancou um braço inteiro de Vista sem fazer força, o Metagross sentiu o óleo jorrar e ele compreendeu que não poderia aguentar muito tempo.
— Pelo menos posso confirmar que sua mãe te treinou direitinho — disse Vista. — Mas você também herdou algumas habilidades do seu pai, como a de atacar primeiro e perguntar depois.
— Você nunca vai me levar de volta. — disse a garota. — Eu sei que serei punida.
A garota pisou no peito do ciborgue e o impediu de levantar-se como se tivesse o peso de uma torre inteira. Vista borbulhava de raiva, a garota brandiu a Anima Argentum e colocou-a no pescoço de seu inimigo, perfurando-o e arrancando sua cabeça.
Pasmo com a cena, Aerus gritou de longe, mas não a tempo de impedi-la.
Platina! O que pensa que está fazendo?
A garota recuou no mesmo instante que o ouviu. Parecia ter medo daquela voz — austera, furiosa. Pela primeira vez em muito tempo o velho Aerus pôde vê-la tão de perto. Ela era a cara da mãe em tantos sentidos... tinha os mesmos olhos que ela. Era como uma mini Titânia, andando livre e solta para além dos limites da guilda ou aonde tivesse vontade.
— Tih... minha Tih... — Aerus tentou aproximar-se. Queria abraça-la, mas ela recuou. — Como pode estar aqui?
Platina virou-se e correu, desaparecendo nos destroços. Aerus ajoelhou-se no chão, incapaz de compreender o que estava acontecendo e por que aquele fantasma do passado voltava para assombrá-lo. Suas mãos rasgavam a terra, precisava descontar sua raiva em alguma coisa, com a lâmina enferrujada tentou partir uma pedra ao meio na medida que seus gritos de agonia ecoavam pelos quatro cantos da velha guilda abandonada.
Oh, please, stop crying... Sei que ficou triste com a minha morte momentânea, mas eu ainda estou inteiro. Ou quase — disse a cabeça de Vista, deslocada de seu corpo.
Aerus revelou um sorriso discreto, mas não estava chorando por ele.
— Como se eu me importasse com um monte de sucata feito você.
— É a garota. Ela morreu há tanto tempo — afirmou Seth, arranjando dificuldades para passar pelos escombros com sua cadeira de rodas. — Senhor Vista, devo admitir que dessa vez você fez uma verdadeira bagunça na linha do tempo do nosso universo.
ME? Oh, a culpada é sempre a máquina, e não quem a usa! Eu disse que havia parado completamente com as viagens no tempo, até destruí a última máquina, mas veja só: a filha do nosso querido líder parece ter encontrado a versão reserva que eu criei. Ela a usou para viajar no tempo à própria vontade e depois o culpado sou eu!
— Mas por quê? Por que ela viria para o pior futuro de nossa cronologia? — Aerus perguntou. — Por que ela teve de vir justo para o futuro em que eu a perdi?

iii

Platina correu até ter certeza de que não iriam mais persegui-la. Havia deixado os limites de sua antiga guilda, mesmo que soubesse que nela houvesse uma magia que a mantivesse invisível aos olhos do inimigo. Ela sentou-se e abraçou os joelhos, sentindo uma lágrima escorrer pelas lembranças e o arrependimento que a corroía por dentro.
— Desculpa, papai, eu não queria...
Platina foi surpreendida pelo som de três pessoas conversando. Ela escondeu-se e tentou espiar, mas parecia que alguém a havia encontrado antes. Havia um homem trajado de preto e máscara, em seus dois ombros havia cabeças que falavam sem parar, como se tivessem vida própria.
— Viu só? Viu só? Eu disse que havia sobrado um! — disse a primeira cabeça.
— Só pode ser um fantasma. Todos esses membros asquerosos da Fire Tales deviam estar mortos! — respondeu a segunda. — Nós cinco a destruímos e precisamos de muito mais do que um exército inteiro para isso. Só pode ser uma maldição!
— Quem é você? — indagou Platina, preparando sua espada.
O homem de máscara manteve-se silencioso, mas suas mãos falaram por ele.
— Ora, nós somos a Hydra, o Hydreigon. Um dos atuais membros dos Remakable Five. E o que um fantasma como você faz nessas terras? Vocês da Fire Tales são um perigo e devem ser eliminados!
Platina preparou sua espada e defendeu-se do primeiro golpe do homem mascarado. Agora ela compreendia como viagens no tempo poderiam ser perigosas, prometera a si mesma que aquela seria a última vez que usaria uma das máquinas do Sr. Vista para fugir.
A Hydra era letal em seus golpes, mas Platina defendia-se de um dos guerreiros mais poderosos daquele tempo como se enfrentasse um oponente qualquer. Ao ouvir o som de metal se colidindo, Aerus soube que sua filha estava em apuros, mas temia não chegar lá a tempo.
— É a menina. É bom você salvar a versão do passado se quiser que no futuro volte a encontra-la — respondeu a cabeça de Vista. — A morte de alguém do passado no futuro resultaria em um desastre completo em todas as realidades. Nem mesmo a guardiã do tempo poderia permitir isso.
— Eu preciso encontra-la! — bradou Aerus.
— Eu posso leva-lo — respondeu Seth em sua cadeira de rodas. — Mas tem que me prometer que vai aprender a preparar um café decente.
— Vá à merda, Seth!
— Até onde sei a garota é sua filha.
Aerus teve de ceder, prometendo até cozinhar nos domingos se necessário. Seth revelou um sorriso discreto, de suas costas duas enormes asas surgiram, ainda fortes o bastante para erguer Aerus e leva-lo até a cena de batalha. A cabeça de Vista também foi levada, mas seu enorme corpo teve de ficar para trás.
Chegando no local, Platina enfrentava a Hydra que a atacava com a força de três homens. Seth o largou do alto de forma que Aerus conseguisse alvejar seu oponente pelas costas, mas as cabeças alertaram de seu inimigo antes. Agora, pai e filha se uniam para enfrentar uma ameaça desconhecida.
— Destrua-os! Não deve restar ninguém dessa guilda amaldiçoada para contar história!
Vocês não vão tirar minha filha de mim de novo! — gritou Aerus.
A garota prendeu a respiração ao ouvir seu pai, lutando para defendê-la daquela forma. Sentiu vontade de chorar e abraça-lo como sempre fizera, mas aquela vontade teria de ficar para depois. Os dois confrontavam Hydra de igual para igual, o homem mascarado tinha de lidar com a fúria de um pai e o desespero de uma filha. Aerus acertou-o no peito com as duas lâminas, mas o homem revidou cravando uma faca da mesma forma. Platina gritou ao se deparar com a cena, brandindo a espada de sua mãe e perfurando o inimigo de uma ponta a outra.
Aerus caiu no chão, trêmulo. Fazia tanto tempo que não lutava, mas o sangue de guerreiro ainda borbulhava dentro dele. A ferida sangrava muito, Seth talvez pudesse leva-lo ao hospital voando, mas precisavam ser rápidos. Platina segurou seu pai em seus braços, dessa vez incapaz de conter as lágrimas.
— Papai, desculpa, eu não queria ter fugido, é que eu fiquei com tanto medo...
— Medo de quê, minha querida? Você estará segura enquanto estiver comigo — respondeu o velho Aerus, tossindo sangue. — Eu jamais vou deixar que algo aconteça com você de novo... Não enquanto eu estiver vivo.
— Ela estava com medo justamente de você, seu velho idiota — disse a cabeça de Vista. — Tudo começou quando sua filha quis brincar com seus óculos escuros e acabou quebrando-os. Eu nunca o vi tão irritado, Aerus, você deveria aprender a controlar mais esse seu temperamento e a entender que ela é só uma criança. Crianças cometem erros, por isso elas precisam de pais que as ensinem o que é correto.
— Eu ia pedir desculpas, pai, só que você estava tão furioso — disse a pequena Platina, segurando a mão machucada e ensanguentada do velho. — Ficava dizendo que ia me punir se me pegasse...
— Eu disse isso? — Aerus perguntou, incrédulo, por um breve instante lembrando-se daquela tarde que já acontecera há tantos anos. — Minha nossa, eu disse.
— Então foi por isso que a garota escapou para o lugar mais distante de você — presumiu Seth, sentado sobre uma pedra enquanto assimilava a cena. — Você sempre foi um péssimo pai, Aerus.
— Eu tentei, cacete! Eu juro que tentei — respondeu ele, abraçando a menina e desejando nunca tê-lo perdido. — Maldição, garota, eu só quero ter você de volta... você e sua mãe. E o Watt. E o Mikau. E o General. E a Wiki. Cacete, eu só quero todo mundo de volta, mesmo que isso pareça impossível! Por favor, voltem para seu tempo e deem alguns tapas na cara do jovem Aerus. Eu precisava ter aprendido algumas lições sobre como cuidar de crianças quando tive a chance, lembrem-me de valorizar mais meus amigos, de amar mais, viver mais.
— Eu mandarei o recado — disse Vista. — Só não sei se ele vai entender na hora...
— Eu me certificarei de que entenda — respondeu Platina.
Céus, ela estava começando a falar igual à mãe.
Platina segurava a cabeça de Vista, esperando que o ciborgue programasse mentalmente sua máquina do tempo que os levasse de volta para o passado. Talvez aquele futuro nunca mais existisse. Talvez seus amigos não morressem de forma tão trágica que lhe desse pesadelos à noite. Talvez eles tivesse mais tempo de fazer tudo certo da próxima vez.
— Vocês ainda podem mudar esse futuro desastroso em que vivo? — perguntou Aerus.
I don’t know. Talvez com algumas decisões certas e união nós certamente faremos diferente — ponderou Vista. — Just kidding. Você acha mesmo que a guilda mais incrível desse continente poderia ter um fim como esse? Se alguma coisa acontecer de errado, pode ter certeza que eu viajo quantas vezes forem necessárias para consertar tudo, vou até para outra dimensão para acertar as contas com o escritor. We’ll be safe.
— Quando voltarem, poderiam sugerir que o jovem Aerus aprendesse a preparar café desde cedo? E diga também para ele praticar um pouco de xadrez, quero ter algumas partidas mais interessantes quando eu ficar velho e moribundo e não tenha nenhuma companhia mais agradável — disse Seth, devolvendo o olhar para seu velho amigo de tempos atrás. — Apesar de ser a única.
Platina ensinaria aquilo com todo prazer. Quando voltasse, a primeira coisa que faria seria dar um forte abraço em seus pais e dizer o quanto os amava, o quanto queria ser como eles quando crescesse. A última visão que teve daquela realidade era a de seu pai, um velho ranzinza e cansado deitado sobre o chão com o peito sangrando, um pai triste e arrependido de ter perdido seus maiores tesouros. Talvez aquela viagem no tempo tivesse sido importante para que ela visualizasse o futuro e que dessa vez não esperasse que os outros a protegessem.
Era ela quem iria protegê-los.
— Não vai pedir desculpas para o seu tio por ter arrancado a cabeça dele do corpo? — perguntou Vista.
— Não.
— Menina levada... I like that. Ao chegarmos em casa, deixa que eu conserto os óculos do seu pai.

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